A história dos trilhos que ligariam a Enseada de Botafogo até Angra do Reis beirando as belas paisagens do litoral
Publicado em: 06-11-2024Imaginem fazer uma viagem de trem da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro até o município de Angra dos Reis passando por um caminho com belíssimas paisagens naturais, à beira-mar. Parece cena de cinema ou instagramável, né? Pois bem. Isso já foi realidade. Não exatamente assim, mas foi.
No século XIX, a Companhia Estrada de Ferro Sapucahy (que possuía várias linhas e ramais em Minas Gerais) foi uma das empresas que tentou construir a ferrovia ligando o Rio de Janeiro à Angra dos Reis, partindo da Enseada de Botafogo, nas proximidades da extinta Praia da Saudade. A ideia era seguir por bairros como Leblon, Vidigal, São Conrado e Barra da Tijuca.
Trecho do jornal O Apóstolo, de 04 de abril de 1880
No fim das contas, a ideia não se concretizou. Houve um conflito da empresa responsável por esse projeto do trem pelo litoral com companhias de bondes, que pretendiam levar passageiros até Copacabana em seus trilhos. Nessa disputa, somente um modal poderia prevalecer. Com isso, os trens foram embarreirados e o bonde venceu, passando a operar na Zona Sul da cidade.
Apesar de o projeto não ter sido finalizado, algumas obras visando a passagem desses trilhos foram iniciadas. A principal delas abriu caminho para o que se tornaria posteriormente a Avenida Niemeyer. O projeto de trens ligando o Rio de Janeiro à Angra foi encerrado. Mas nem tanto.
Como o caminho pela Zona Sul não foi viável (sem trocadilho), surgiu a ideia de ligar os subúrbios à Angra dos Reis, que sempre foi uma região com importância econômica para o Rio de Janeiro. Daí foi pensando o Ramal de Angra.
“O Ramal de Angra, posteriormente chamado de Ramal de Mangaratiba, foi inaugurado em 1878, partindo da estação de Sapopemba (Deodoro) até o distante subúrbio de Santa Cruz. Somente foi prolongado em 1911 até Itaguaí, e em 1914 chegou à Mangaratiba”, destaca um artigo de Ralph Mennucci Giesbrecht, no blog Estações Ferroviárias.
Chegou à Mangaratiba e parou por lá. Mais uma vez, a ideia de ligar o Rio de Janeiro à Angra dos Reis ficou pelo caminho. Contudo, uma hora foi.
Demorou mais 14 anos para os trilhos chegarem até Angra dos Reis. Demorou, mas aconteceu. De uma outra forma, mas aconteceu. Foi através da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), que depois passou a se chamar Rede Mineira de Viação (RMV).
A linha, inaugurada em 1928, passava por locais como o distrito de Lidice, Rio Claro, Barra Mansa, no estado do Rio e cidades de Minas Gerais, alcançando Goiandira-GO.
Esse Ramal, com trechos belíssimos ao longo do litoral de Angra dos Reis, muito próximo ao mar, transportou passageiros até 1982, quando foi desativado.
Foto de um trecho por onde o trem passava. Crédito: Waldir/Trilhos do Rio
“Antes disso, em 1973, uma variante construída pela RFFSA e que partia de um ponto próximo à estação de Japeri, na Linha do Centro, permitia que trens com minério alcançassem o porto de Guaíba, próximo a Mangaratiba, encontrando o velho ramal na altura da parada Brisamar. A variante, entretanto, deixava de coincidir com o ramal na altura da ponta de Santo Antonio, onde desviava para o porto; com isso, em 30/06/1983, o trecho original entre esse local e Mangaratiba foi erradicado e os trens passaram a circular somente entre Deodoro e Santa Cruz, de onde voltavam. Hoje, esse trecho ainda é usado pelos trens de subúrbio, o trecho entre Santa Cruz e Brisamar está abandonado e o restante, Brisamar-porto, é utilizado pelos trens de minério apenas“, explica o texto publicado no Estações Ferroviárias.
Foto de um trecho por onde o trem passava. Crédito: Waldir/Trilhos do Rio
Os trilhos à beira-mar ligando diretamente os dois municípios não viraram realidade. Partindo dos subúrbios, eles quase chegaram lá. Os caminhos trilhados para as belezas de Angra dos Reis acabaram se concretizando através de outras cidades vizinhas. Quem pegou esse trem não se esquece. Uma pena é que o tempo e a falta de cuidado estão acabando com as memórias físicas que restaram.
“O trecho descendo a serra em direção a Angra é dos mais belos do mundo, mas infelizmente vem dia a dia sendo depredado a passos largos, quando poderia ser aproveitado para o turismo e mesmo para o transporte de cargas, caso o porto da cidade estivesse ativo“, pontua um texto de Dado Moreira, na página Trilhos do Rio.