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A igreja da Ordem Terceira do Carmo no Rio de Janeiro
Publicado em: 13-02-2025Em matéria recente, o Diário do Rio abordou o precário estado de conservação da igreja da Ordem Terceira do Carmo, no centro histórico da capital fluminense, um de seus templos com maior importância artística e cultural.
A Ordem Terceira foi fundada em 1648, celebrando seus atos religiosos em capelas do convento do Carmo e da igreja conventual, onde permaneceu até meados do século XVIII, quando se estabeleceu em edifício próprio, contíguo ao conjunto original.
Para se abordar a história dessa igreja, torna-se indispensável uma resenha sobre a presença da Ordem do Carmo no Brasil e no Rio de Janeiro.
Em janeiro de 1580, partiu de Lisboa uma frota sob comando de Frutuoso Barbosa em direção ao nordeste brasileiro. Nessa expedição viajavam quatro carmelitas por empenho de Dom Henrique, Cardeal-rei de Portugal, mantendo a intenção de expansão de terras e da fé católica nas colônias lusas.
Chegando em Olinda, os religiosos receberam um terreno onde já se encontrava uma capela com a invocação a Santo Antônio e, naquele local, foi construído o primeiro convento no Brasil, com permissão do Capítulo do Beja, em 1584.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Ordem chegou em 1590 e ocupou uma antiga ermida na várzea, ampliada posteriormente para abrigar a igreja e convento, de onde foram desalojados em 1808, por ocasião da chegada da Família Real ao Brasil, que ocupou suas dependências, transformando a igreja conventual na Capela Real e Catedral.
Durante todo o período colonial, a Ordem do Carmo desempenhou funções de grande importância e responsabilidade na consolidação da fé católica no novo território. Além da difusão da fé, os carmelitas tiveram grande participação na vida da cidade, inclusive no atendimento a vítimas de epidemias ou conflitos.
Em relação à Ordem Terceira do Carmo, em 1452, atendendo a um pedido do beato francês Jean Soreth, o Papa Nicolau IV outorgou uma bula concendendo direito a mulheres e leigos de agregação à Ordem Primeira. Surgiam as monjas carmelitas e as Ordens Terceiras, leigos associados à ordem religiosa nascida no monte Carmelo, no final do século XI.
No Brasil colonial, a instalação das Ordens Terceiras era diretamente relacionada à presença dos conventos primeiros, daí a presença constante do partido arquitetônico com os dois templos associados. Uma vez autorizada, os candidatos deveriam apresentar informações detalhadas sobre sua vida e costumes ao secretário da congregação. Situações como baixa condição financeira, etnia, outra religião de origem, eram impedimentos para o ingresso. As mulheres precisavam da autorização expressa dos pais ou maridos. Após a aprovação, os novos irmãos passavam por um período de iniciação, aprendendo as regras da irmandade e educação religiosa.
No Rio de Janeiro, a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo foi fundada em 1648, por três irmãos leigos e dois freis. Adotando uma prática comum, as atividades da Ordem ocorriam em capelas do convento ou da própria igreja conventual. Ao longo do século seguinte, o número de irmãos foi aumentando, necessitando a construção de um templo próprio.
Em conjuntos religiosos afins, dedicados aos carmelitas ou franciscanos em toda colônia, era comum a construção da igreja para as celebrações dos terceiros em terrenos próximos ou contíguos às igrejas conventuais. Em 1749, após a doação de um terreno ao lado da igreja dos Primeiros, os irmãos se reuniram para arrecadação de fundos visando a construção de sua própria capela.
Durante todo o período da obra, os terceiros encontraram muita resistência dos frades carmelitas, com alegações variadas: possíveis problemas estruturais, maior altura, divisão dos fiéis. Após um longo processo, os frades primeiros decidiram reconstruir seu próprio templo enquanto, em 1755, os terceiros lançavam a pedra fundamental de sua capela e as obras seguiram mais rapidamente do que a construção vizinha. Em 1761, os registros indicam que a fachada principal estava parcialmente construída, totalmente revestida em granito, uma das únicas da cidade com tais características, e recebeu uma portada em lioz, originária de Portugal, com a imagem de Nossa Senhora do Carmo. Conta a tradição que esse trabalho teria influenciado a obra de Antonio Francisco Lisboa, que visitou o tempo em 1777.
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As torres foram concluídas muito tempo depois, em meados do século XIX, objeto de outra demanda com a Ordem Primeira. Os frades alegaram que, por causa da altura, a iluminação de seu templo seria prejudicada com a obstrução dos vitrais laterais. As obras foram embargadas entre 1755 e 1760, retomadas após uma generosa doação à Ordem Primeira, como consta em seus arquivos. Ambas apresentam o coroamento bulboso, revestido de azulejos, provavelmente projetadas por Manuel Joaquim de Mello Corte Real, professor da Imperial Academia de Belas Artes.
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O templo apresenta nave única com circulações laterais, recoberta de madeira entalhada, obra atribuída a Antônio de Pádua Castro e Luiz da Fonseca Rosa, com participação do Mestre Valentim. O repertório utilizado pelos artistas remete à concepção de salões franceses, com ornamentação rococó aplicada sobre fundo claro, iluminados por pequenas janelas laterais e algumas claraboias.
Além das atividades religiosas, os irmãos terceiros também se dedicaram a estabelecimentos de saúde, como a criação de hospital próprio, educação e serviços funerários, quando da abertura de cemitérios durante o período imperial.
Apesar de seu valor histórico, arquitetônico, artístico e se constituir um marco na paisagem do Centro histórico, em conjunto com a igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, este patrimônio está se arruinando diante da falta de iniciativa de todos os responsáveis, conforme estabelece a legislação vigente, situação detalhada por este jornal em 8 de fevereiro de 2025.
Inevitável a lembrança do título do livro de Berman: Tudo que é sólido se desmancha no ar, numa alusão direta a manifestos oitocentistas.